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2022: Alguns avanços e muitas incertezas

O ano de 2022 se iniciou com a expectativa de aprovação do PL 414 pelo plenário da Câmara dos Deputados ainda no 1º semestre, que propiciaria a almejada modernização do setor, juntamente com a evolução da governança, alterações legislativas e regulatórias discutidas exaustivamente pelos agentes desde a publicação da Consulta Pública 33 (CP 33) pelo MME em 2017.

Enfim, haveria um cronograma para a abertura do mercado livre para os consumidores conectados em Baixa Tensão (grupo B), de forma gradativa entre 2026 e 2028.

E ainda mais, teríamos a definição de prazos legais para: (i) a regulamentação do Supridor de Última Instância; (ii) a separação das atividades de comercialização regulada e de distribuição de energia; (iii) o novo papel das distribuidoras de energia no setor; (iv) o tratamento para os custos resultantes da migração de consumidores; e (v) a solução da sobrecontratação das distribuidoras, com a aplicação de metodologia para tratamento dos contratos legados.

A aprovação do PL 414 representaria a revisão do marco legal da comercialização de energia no setor pela primeira vez desde que foi criado o atual modelo em 2004, através da Lei 10.848 e Decreto 5163.

Ocorre que terminamos o ano sem que o legislativo aprovasse o PL 414. O projeto seria encaminhado ao plenário da Câmara dos Deputados para deliberação no 1º semestre, que depois foi adiado para antes das eleições, na sequência para novembro após as eleições, e o ano termina sem essa importante votação para o setor elétrico e para o consumidor de energia.

Com a inação do Congresso, houve avanços importantes na abertura do mercado por iniciativa do MME, com a publicação da Portaria no. 50/2022, em setembro, que permite aos consumidores do mercado de alta tensão (grupo A) comprar energia elétrica de qualquer supridor a partir de janeiro de 2024.

Esta liberalização representa, pasmem, o primeiro avanço em relação ao limite mínimo de 500 kW definido pela Lei nº 9.427/1996, ou seja, 26 anos após a diminuição dos limites de demanda contratada para 500 KW, e 27 anos após a publicação da lei 9074/1995, que criou o mercado livre de energia no Brasil.

Outro avanço importante, mas infelizmente não implementado pelo MME, foi a publicação da Consulta Pública 137/2022 (CP 137) ainda no mês de setembro, em que coletou contribuições à minuta de portaria que prevê a redução dos limites de carga para contratação de energia elétrica no mercado livre por parte dos consumidores do Grupo B.

Sinto lamentar, mas exceto por esta iniciativa extremamente importante do MME para abertura do mercado do Grupo A, pouco se avançou na evolução do modelo em 2022.

O setor discute desde 2017, com a publicação da CP 33, as medidas necessárias para a modernização do modelo e, ainda, as ações a serem tomadas para que a transição ocorra de forma segura para atingir os resultados previstos.

Esta rica e profícua discussão dos agentes culminou no PL 414, pendente de aprovação no Congresso. Pela minha experiência no setor, os avanços na legislação e regulação sempre ocorreram quando se definiram prazos firmes e factíveis para a implementação das ações necessárias para o atingimento dos marcos previstos. O PL 414 se propõe a definir estes prazos, de forma que todas as ações necessárias possam ser desenvolvidas para a viabilização dos marcos propostos.

É frustrante ainda ouvir comentários de alguns e poucos agentes do setor, de que é “perigoso e arriscado se tomar medidas de alteração de regras e liberalização do mercado antes de um estudo criterioso, pois há riscos de se desestruturar todo um serviço essencial para a população”.

Felizmente são poucos os que ainda pensam assim! Vários estudos foram desenvolvidos por consultorias e associações do setor que indicam claramente as ações para implementação com sucesso dos marcos previstos no PL 414.

O “perigo” mais comentado é o que fazer com a sobrecontratação das distribuidoras com a abertura do mercado, uma vez que há contratos celebrados em leilões regulados pelas empresas que tem vigência após 2045 (os chamados “contratos legados”). Ora este assunto é objeto de discussão e tem soluções apresentadas pelos agentes já há algum tempo. Diversos estudos desenvolvidos pelas principais consultorias do setor, como PSR, Thymos e outras, apresentam soluções para os contratos legados.

Recomendo também a leitura do estudo desenvolvido pela EY (ex-Ernst&Young) com o patrocínio da ABRACEEL: Avaliação dos cenários possíveis para abertura organizada do setor elétrico brasileiro, de novembro de 2022, e disponível no site da associação.

Importante destacar também fatos negativos ocorridos em 2022, por ações de agentes do setor, que irão onerar ainda mais as tarifas para os consumidores, e que são intervenções exógenas e prejudiciais ao planejamento técnico do setor:

(i) a obrigatoriedade de contratação de termelétricas a gás natural em regiões sem demanda e sem gasodutos, medida aprovada como um “jabuti” na Lei 14.182/2021 (palavra usada no meio político para definir emendas incluídas sem relação com o conteúdo original);

(ii) pela mesma Lei, outro “jabuti” aprovado é a prorrogação de contratos do PROINFA por mais 20 anos, que se encerrariam entre 2026 e 2030. O PROINFA foi criado após o racionamento de 2001/2002 para a contratação de energia de fontes renováveis como eólicas, PCH e biomassa. A energia deste Programa atualmente é mais cara e subsidiada, e que serviu naquele momento para incentivar o crescimento dessas fontes. Com tantos custos e subsídios sobre as tarifas, chega a ser surreal a prorrogação de tais contratos, cujos investimentos estão amortizados, e tem condições de competirem no mercado sem mais subsídios;

(iii) importante destacar também ações individuais de alguns segmentos do setor, que são legítimas, mas que apenas vêm o seu interesse particular, em detrimento de uma visão mais abrangente das consequências destas ações para o setor e para os consumidores.

Destaco duas ações observadas em 2022, que felizmente não obtiveram sucesso:

  • a) a tentativa de prorrogar por 24 meses o prazo para a conclusão de projetos de fontes renováveis com direito a desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e de distribuição, incluída na MP 1118;
  • b) a tentativa de prorrogação do prazo previsto na Lei 14.300/2021, por mais 12 meses, a partir de 07/01/2023, para que os projetos de GD (Geração Distribuída) que solicitarem o acesso às concessionárias, permaneçam nas regras atuais de compensação até 2045.

Por estes motivos, o título deste artigo é alguns avanços e muitas incertezas. Em minha opinião muito pouco se avançou. A abertura de mercado está há muitos anos sendo exaustivamente debatida pelo setor, e as alterações necessárias para isso são conhecidas. É necessário somente ter um cronograma para as adaptações regulatórias e técnicas previstas.

Confiamos nos novos dirigentes do setor para que não permitam retrocessos, e que a modernização do setor elétrico, já amplamente debatida pelos agentes, e objeto de consenso raro, seja finalmente implementada em sua totalidade em 2023 com a aprovação do PL 414 e as medidas infralegais necessárias para o cumprimento do cronograma dos marcos regulatórios ali previstos.