A preocupação com tarifas é muito positiva e urgente, tendo em vista o nível inaceitável que os patamares tarifários atingiram no Brasil, com potencial de inviabilizar o crescimento industrial e penalizar toda a sociedade.
Em 10/01/2024 o Ministro de Minas e Energia declarou que as tarifas de energia são o grande desafio do Ministério. Segundo o ministro, a preocupação tem que ser não cometer injustiça com o consumidor regulado.
A preocupação com tarifas é muito positiva e urgente, tendo em vista o nível inaceitável que os patamares tarifários atingiram no Brasil, com potencial de inviabilizar o crescimento industrial e penalizar toda a sociedade. É um consenso no setor elétrico e é louvável e nobre a iniciativa do
MME neste sentido.
No entanto, é importante ressalvar que dentre as justificativas principais que o Ministro apontou como responsáveis por estas tarifas injustas, houve a afirmação que “nos últimos seis anos se perdeu a mão das políticas públicas do setor elétrico”, e ainda que a abertura do mercado livre de energia está relacionada com esta injustiça tarifária com o consumidor regulado.
Entendo que aqui há um enorme equívoco de interpretação dos fatos que é importante ser esclarecido ao MME, num momento muito oportuno onde vemos declarações oficiais que Medidas Provisórias estão sendo elaboradas para serem enviadas ao Congresso e, provavelmente, proporem alterar regras do setor que venham ao encontro deste desejo do ministro de reduzir tarifas.
Destaco a seguir a minha opinião sobre alguns dos fatos que elevam tarifas do consumidor regulado, e que não tem absolutamente nada a ver com a abertura do mercado e o mercado livre.
A lista abaixo está longe de ser exaustiva, e há estudos de alto nível produzidos por associações de consumidores, livres ou regulados, que demonstram em números os impactos tarifários dos fatos listados, os quais não são citados por questões de espaço deste texto.
1. Não procede que se perdeu a mão das políticas públicas no setor nos últimos seis anos, pelo simples fato de que não houve empenho político para sua implementação
Vejamos o caso emblemático do PL 414 que está paralisado na Câmara dos Deputados há anos.
Os agentes ansiaram e foram iludidos pela sua aprovação, que seria iminente durante os últimos anos. Afinal o Senado Federal aprovou e enviou para a Câmara.
Mas não ocorreu. É um texto com consenso raro no setor, que trata de temas complexos que trariam a inadiável modernização e evolução no modelo de governança do setor.
Com alguns ajustes de texto e atualização de algumas medidas, como por exemplo a retirada dos mecanismos de separação de lastro e energia, uma vez que os leilões de reserva de capacidade previstos são alternativa para estes mecanismos.
No entanto, o PL 414 aparentemente não está sendo considerado pelo MME, desprezando-se este instrumento democrático que foi amplamente discutido entre o Parlamento e os agentes do setor por vários anos.
A possibilidade de todos os consumidores cativos poderem optar pela migração ao mercado livre, incluindo toda a Baixa Tensão, de forma gradativa a partir dos anos de 2026 e 2028, está prevista no PL 414.
Esperamos que as novas regras, quaisquer que sejam, venham ao encontro da racionalidade e aplicabilidade previstas no PL 414. 2. Criação e ampliação de subsídios já existentes, que impactam de forma crescente a Conta
de Desenvolvimento Energético – CDE A CDE é o “saco sem fundo” do setor. Onerou as tarifas com a evolução do seu orçamento de R$ 18,1 bilhões em 2014 para R$ 37,2 bilhões em 2024.
O trágico é observarmos, impotentes, que cada PL ou MP que trata de assuntos do setor elétrico, tem sua apreciação iniciada no Congresso Nacional contendo apenas o seu objetivo inicial e, invariavelmente, o texto final é aprovado ao final com emendas, pejorativamente chamadas
“jabutis”, que oneram as tarifas e aumentam os subsídios, a maioria na conta da CDE.
3. Lei 14.182/21 que autorizou a capitalização da Eletrobras (objetivo principal) e teve incluída as contratações compulsórias para o consumidor regulado pagar, conforme listadas a seguir.
(i) 8.000 MW de termelétricas a gás natural onde não tem gás.
(ii) 2.000 MW de PCHs nos próximos leilões de energia nova, sem a preocupação se esta fonte seria a mais competitiva nos leilões.
(iii) Prorrogação dos contratos do PROINFA. Este programa teve sua importância nos anos 2000, para incentivar as fontes renováveis ainda não competitivas à época, com preços muito acima do mercado. Tais contratos tem vencimento gradual no período 2026-2031 e foram prorrogados por mais anos, com novas, mas ainda muito altas tarifas.
Estes dispositivos ferem a racionalidade do planejamento setorial conduzido pela EPE, reconhecido por sua excelência há décadas, e impõem compulsoriamente contratação de energia nova mais cara, e que aumentam as tarifas do consumidor regulado, exatamente quem o ministro
quer proteger.
4. Tramitação do Projeto de Lei 11.247/2018, mais conhecido como “PL das Offshore”.
O objetivo nobre do PL, que faz parte da positiva agenda verde da Câmara dos Deputados, foi ofuscado pela inclusão de dispositivos alheios ao assunto principal. O texto foi encaminhado ao Senado, ainda sem decisão.
Os mais relevantes destes “jabutis” são:
(i) Postergação de subsídios para renováveis
As energias renováveis não precisam mais de subsídios que oneram as tarifas de todos os consumidores, regulados ou livres. Basta observar o fato de que nos últimos leilões de energia as
fontes solar e eólica venderam energia a preços altamente competitivos e hoje direcionam a maior parte de sua expansão para o mercado livre.
(ii) Novas condições para viabilizar a contratação de termelétricas a gás natural onde não tem gás
Alteração na Lei 14182/21, determinando a contratação de 4.250 MW de térmicas a gás natural por um período de 15 anos, considerando o custo do transporte do gás até o local da Usina, na
composição do preço de geração final.
Ou seja, além da compulsoriedade de contratação destas térmicas ser questionável economicamente, o consumidor regulado terá que pagar o transporte (leia-se gasodutos) junto
com a energia vendida.
(iii) Aumento da contratação de energia de pequenas centrais hidrelétricas de 2 mil MW, prevista na Lei 14182/21, para 4,9 mil MW.
Aumenta a compulsoriedade de contratação de PCHs, sem racionalidade econômica de competitividade com outras fontes.
(iv) Novos incentivos ao carvão mineral, que teria contratos vencendo até 2028.
Neste caso foi permitida a contratação de térmicas a carvão até dezembro de 2050, sem que haja necessidade desta fonte cara e poluente.
Em outras palavras, o consumidor regulado continuará pagando energia suja e cara por mais 22 anos, em plena transição energética nacional e mundial.
5. MP 579/2012
Este assunto dispensa comentários e apresentações. Uma MP gestada sem discussão prévia com o setor, reduziu em 20% as tarifas dos consumidores regulados em 2013.
E provocou, em março de 2015 o maior tarifaço da história do setor elétrico brasileiro, com aumentos superiores a 50% para os consumidores regulados, através de uma revisão extraordinária de tarifas promovida pela ANEEL.
É o preço que se pagou pela emissão de medidas provisórias em um setor complexo, e que afeta toda a população brasileira, sem a devida discussão e análise de seus dispositivos pelos que por ela sofreram suas consequências devastadoras nas tarifas de energia: os consumidores regulados.
6. A dívida de Itaipu foi quitada integralmente em 2023, mas a tarifa de Itaipu não decresceu para o consumidor regulado brasileiro para refletir os benefícios do fim da dívida A tarifa de repasse de Itaipu para o consumidor regulado passou de US$ 20,23/KW em 2023 para
US$ 17,66/KW em 2024.
Poderia estar menor, mas decisões do “board” em Itaipu definem a utilização dos recursos do orçamento da Usina de forma independente, e criou, por exemplo, o programa Itaipu Mais que Energia onde recursos estão sendo direcionados a todos os municípios do Paraná e 35 municípios
do Mato Grosso do Sul no fomento de programas relacionados a Saneamento Ambiental, Energias Renováveis, Manejo Integrado de Água e Solo e Obras sociais, comunitárias e de infraestrutura. Nada contra, ao contrário. No entanto a dívida de Itaipu foi paga com recursos dos consumidores regulados brasileiros do Sul/Sudeste/Centro Oeste. É justo implementar políticas públicas com recursos dos consumidores regulados que poderiam estar pagando menores tarifas com o fim da dívida?
Há muitos outros exemplos de subsídios criados e políticas públicas implementadas às custas do consumidor regulado. Não é culpa do mercado livre de energia, certamente.
Se há intenção de se implementar políticas públicas para incentivar setores da economia, as mesmas devem ser implementadas, por óbvio, com recursos do orçamento federal e não via oneração tarifária aos consumidores, sejam regulados ou livres.
Se os dispositivos da Lei 9074/1995, que instituiu o mercado livre de energia no país, tivessem sido seguidos, neste momento todos os consumidores teriam o direito de adquirir energia livremente no mercado de forma competitiva e transparente, sem carregar o ônus de subsídios e com
correta alocação de custos entre todos os consumidores.
Esperamos que o MME, através de seus gestores altamente qualificados e com notória especialização no setor elétrico, possa refletir sobre estes fatos e não simplesmente “culparem” de forma injusta o mercado livre, responsável por beneficiar o setor produtivo do país com preços
de energia mais competitivos que certamente geraram empregos e divisas para o Governo Federal desde que foi criado.
Permitir o acesso de todos os consumidores ao mercado livre é a forma justa e eficiente de garantir preços competitivos, e com correta e racional alocação de custos.
José Antonio Sorge é sócio administrador da Comercializadora Ágora Energia