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Âmbar Energia – Foi a decisão mais adequada?

O processo da Âmbar Energia, que solicitou à ANEEL a substituição das 4 Usinas vencedoras no PCS pela UTE Mario Covas, situada em no estado de Mato Grosso, com capacidade instalada 480 MW), foi um dos pontos de maior destaque do setor nos últimos meses.

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JOSÉ ANTONIO SORGE, DA ÁGORA ENERGIA

A Âmbar Energia, do Grupo J&F é controladora das Usinas UTE EDLUX X, EPP II, EPP IV e Rio de Janeiro I, com capacidade instalada 343,8 MW, as quais sagraram-se vencedoras no Procedimento Competitivo Simplificado – PCS, realizado em outubro de 2021, no auge da crise hídrica observada naquele ano, e que tinha como objetivo agregar nova capacidade ao SIN que pudesse complementar a oferta e auxiliar a operação principalmente em finais de período seco anuais, que vem se demonstrando cada vez mais críticos.

O processo da Âmbar Energia, que solicitou à ANEEL a substituição das 4 Usinas vencedoras no PCS pela UTE Mario Covas, situada em no estado de Mato Grosso, com capacidade instalada 480 MW), foi um dos pontos de maior destaque do setor nos últimos meses.

O pedido era contraverso desde a sua concepção, pois contrariava:

(i) diretrizes do Edital que vedavam a participação de empreendimentos existentes em operação comercial; e
(ii) os termos do Contrato firmado no PCS, que em seu item 4.4 dispõe: “A ENERGIA CONTRATADA definida no CONTRATO não poderá ser entregue por outra USINA do VENDEDOR, por outro AGENTE da CCEE, nem pelo conjunto dos AGENTES em razão de operação otimizada do SIN”.

A UTE Mario Covas é um empreendimento existente, em operação comercial desde janeiro de 2001, e que não poderia ter participado do PCS, cujo objetivo era contratar reserva de nova capacidade para o enfrentamento da situação de escassez hídrica.

Como esperado, este processo conheceu inúmeras idas e vindas no âmbito da ANEEL, envolvendo decisões com pontos de vista diferentes por diretores, além de ter suscitado debates e controvérsias entre os agentes do setor.

Em um breve histórico, podemos resumir os principais eventos ocorridos após o pedido das Usinas para a referida substituição, feito em maio de 2022, tendo como fonte as informações públicas do processo ANEEL 48500.004485/2022-10.

Importante destacar também que, em janeiro de 2022, a Âmbar havia protocolado consulta à ANEEL sobre a possibilidade da transferência de titularidade de outorgas de empreendimentos vencedores do PCS 2021.

Esta consulta recebeu parecer desfavorável das áreas técnicas por considerar que a UTE Mario Covas está em operação comercial desde 2001, portanto anteriormente à publicação do Edital do PCS, e não poderia ter participado do certame.

A decisão final da diretoria da ANEEL, não unânime, mas por maioria, autorizou a assunção, pela UTE Mario Covas, das obrigações assumidas no âmbito do PCS pelas Usinas Edlux X, EPP II, EPP IV e Rio de Janeiro, e condicionou a eficácia da decisão à conclusão da implantação e à disponibilização ao SIN das 4 Usinas no prazo limite definido no Edital, que é 01/08/2022. Outra exigência é que, as condições contratuais da UTE Mario Covas, devem ser estabelecidas comercialmente como equivalentes à operação conjunta das 4 usinas originalmente ofertadas no PCS.

Não deixa de chamar a atenção que a decisão não encontra respaldo em decisões anteriores da ANEEL, adotada em julgamentos similares, que envolvam obrigações e responsabilidades de agentes vencedores de leilões regulados. Substituir usinas vencedoras por usinas existentes em operação comercial?

A seguir listo alguns pontos de atenção que se destacam no processo:

A) A decisão monocrática do diretor relator, favorável ao pedido de medida cautelar, através do Despacho ANEEL 1336, foi o procedimento mais adequado para um assunto tão controverso? Tendo em vista os aspectos regulatórios e legais envolvidos, não seria mais adequado ter realizado consulta prévia à Procuradoria, uma vez que já havia manifestação anterior desfavorável das áreas técnicas ao agente?

B) Quando o tema foi enviado às áreas técnicas, para nova análise, foi exarado mais um parecer desfavorável, com argumentos regulatórios e legais robustos para tal conclusão. Não é comum que a diretoria da ANEEL, apesar do seu poder e de suas atribuições em ter a decisão final em qualquer processo, contrariar opiniões veementes e ratificadas mais de uma vez pelas áreas técnicas.

C) É fato notório que grande parcela dos agentes do setor se manifestou contrária à aprovação da medida cautelar antes do julgamento definitivo da questão pela diretoria da ANEEL. Para se ter ideia desta oposição dos agentes, basta mencionar que durante a realização do ENASE em junho, houve aplausos entusiásticos à fala do presidente do Conselho da CCEE, Rui Altieri, que elogiou a “coragem” da diretora geral substituta em reformular a decisão anterior do diretor relator, e suspender os efeitos da medida cautelar até que o mérito fosse julgado pelo colegiado.

D) A opinião e ponderação dos agentes na participação no processo, caso da ABRACE, ANACE e Instituto PÓLIS, produziu efeitos que alteraram parcialmente os rumos das ações no processo, como a decisão da diretora geral em suspender os efeitos da medida cautelar, e na própria reformulação do pedido original da Âmbar, agregando maiores flexibilidades operativas para a UTE Mario Covas. Portanto, fica mais evidente que a participação efetiva dos agentes nos processos decisórios da ANEEL é de fundamental importância.

E) É positiva a inclusão na decisão que a mesma somente terá eficácia com a efetiva entrada em operação das 4 Usinas até a data limite de 01/08/2022, conforme previsto em Edital. Certamente garante que haverá a agregação de capacidade ao SIN e permite a substituição por geração mais econômica que aquela vencedora do PCS. Este fator foi determinante para a decisão da diretoria da ANEEL em favor do pedido da Âmbar.

Cabe ponderar se a decisão da ANEEL foi realmente a mais adequada, uma vez que traz incertezas, diria inéditas no setor, sobre um dos pilares da regulação que é a segurança regulatória. Contrariar dispositivos editalícios não é um fato normal nem corriqueiro.

Não se criaram precedentes com esta decisão, que venham afetar administrativa e legalmente julgamentos e decisões de futuros pedidos de agentes, que tenham titularidade de empreendimentos vencedores em leilões regulados?

Está claro que a modicidade tarifária, outro pilar do setor, foi o motivo principal que permitiu a decisão favorável da ANEEL. Mas a segurança regulatória, tendo em vista sua repercussão em todas as ações e decisões do setor, e na atração de investimentos de longo prazo, não deveria ser preponderante?

José Antonio Sorge é sócio administrador da comercializadora Ágora Energia