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COMERCIALIZADORAS DE ENERGIA: O FUTURO É AGORA

Comercializadoras de energia – O futuro é agora

A possibilidade de atuar com derivativos de energia, por si só, é um importante avanço na mitigação de riscos no mercado de comercialização, e na sofisticação das operações deste segmento

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JOSÉ ANTONIO SORGE, DA ÁGORA ENERGIA – Sócio administrador da Comercializadora Ágora Energia

Num momento crítico para o setor elétrico, quando o conteúdo principal das informações e notícias sobre o setor versam sobre a crise hídrica que o país vivencia, as consequências no atendimento ao mercado, e as ações que estão sendo desencadeadas para sua mitigação, é importante também falarmos sobre o momento vivenciado pelo segmento de comercialização de energia.

Nos períodos em que o PLD atinge o teto regulatório (em 2021 fixado pela ANEEL em R$ 583,88 MWh) invariavelmente surgem preocupações com relação aos riscos comerciais que podem surgir com problemas de inadimplência de algumas comercializadoras de energia.

Alguns eventos de descumprimento de contratos por parte de alguns agentes do setor de comercialização, conforme ocorrências vivenciadas pelo setor no final de 2018 e início de 2019 e alguns outros eventos menores de inadimplência no final de 2020, contribuíram para alguma perda de credibilidade em alguns agentes de comercialização de energia, que em sua maioria estão fora do mercado.

Tais eventos, apesar de negativos, contribuíram para o amadurecimento do mercado e a adoção pelos agentes de modernas técnicas de gerenciamento de riscos, estabelecimento de análise mais rigorosa de contrapartes contratuais, e aperfeiçoamento das ações de monitoramento de mercado pela CCEE e ANEEL.

Em 2020, a BBCE e a B3 contribuíram na maior participação e popularização do mercado de derivativos de energia entre os agentes, propiciando a adoção de mecanismos de hedge para as operações realizadas no mercado físico, até então praticamente inexistentes. Com estas iniciativas já é possível o registro de contratos de derivativos de balcão de energia elétrica, que funcionam como hedge contra a volatilidade do PLD, aprimorando a gestão de riscos e propiciando maior previsibilidade de resultados.

A possibilidade de atuar com derivativos de energia, por si só, é um importante avanço na mitigação de riscos no mercado de comercialização, e na sofisticação das operações deste segmento.

Neste período a CCEE agiu de forma proativa, para diminuir a assimetria de informações entre os agentes de mercado, e passou a divulgar o Boletim de Segurança do Mercado e os Indicadores de Segurança do Mercado, que podem ser consultados através do seu site na internet na seção Segurança de Mercado.

Estas publicações da CCEE identificam os agentes que inadimpliram com suas obrigações no Mecanismo de Venda de Excedentes – MVE com as distribuidoras, aqueles que não aportaram garantias financeiras, os que tiveram seus contratos ajustados no processo de contabilização da CCEE e os agentes com processos instaurados de desligamento por descumprimento de obrigações.

A CCEE também submeteu à ANEEL, e aos agentes, três Notas Técnicas com os temas: (i) Critérios de Participação no Mercado; (ii) Garantias do MVE e (iii) Segurança de Mercado. Em agosto de 2020 consolidou tais posições através da NT 62/2020, onde abordou os Critérios de Entrada, Manutenção e Saída do mercado. Esta NT foi complementada pela CCEE em agosto de 2021, a pedido da ANEEL, através da NT 4541/2021.

Conforme consta no site da CCEE, estas NT representam “um esforço para modernizar a regulação, diante da tendência de crescimento e de ampliação das complexidades do ambiente de comercialização de energia”, com sugestões de melhorias no processo de avaliação das empresas que já atuam ou querem passar a negociar no mercado de energia, com maior “confiabilidade e aderência dos participantes a requisitos mínimos de competência e financeiros”.

Estes documentos da CCEE embasaram a decisão da ANEEL em instaurar a Consulta Pública 051/2021, cujo período de contribuições dos agentes foi fixado até 17/09/2021.

O mercado deverá apresentar suas contribuições e sugestões, e aguarda uma proposta de consenso que possa auxiliar e aperfeiçoar os mecanismos existentes de segurança de mercado, de forma a dar alternativas regulatórias seguras e transparentes para todo o setor.

As comercializadoras de energia, de forma majoritária, tem aprimorado permanentemente seus processos de gestão, que envolvem a excelência continuada no atendimento ao consumidor no mercado livre, o relacionamento contratual com agentes geradores e comercializadores previamente aprovados pelas métricas de risco adotadas em cada companhia, contratação e manutenção de profissionais próprios cada vez mais capacitados e valorizados no mercado, conhecimento profundo da regulação e das regras de comercialização de energia e utilização de modelos de gerenciamento de risco e formação de preços modernos e eficientes.

Com a evolução gradativa do mercado de derivativos de energia para uma futura “clearing house” (que será a responsável por garantir segurança ao mercado e definir os limites de crédito e de operações para os agentes participantes), e a crescente entrada de agentes financeiros no mercado, o segmento de comercialização tende a ser robusto e seguro.
A abertura do mercado para todos os consumidores, a evolução tecnológica e a modernização do setor, certamente alçarão a comercialização de energia a uma patamar ainda mais estratégico no âmbito do setor elétrico brasileiro, proporcionando aumento de valor agregado aos agentes de geração e consumidores de energia nos processos de gestão, e garantindo um ambiente competitivo, no qual o principal beneficiário será o consumidor de energia, que terá opções de fornecedores e preços, em um ambiente livre e com regras transparentes.

Para se atingir este futuro, que certamente está se aproximando de forma irreversível, é preciso que alguns cuidados sejam tomados tanto pelas instituições do setor como pelos agentes, para permitir que o segmento de comercialização de energia possa crescer de forma contínua e assumir seu papel relevante a que está predestinado.

Importante destacar que num setor energético predominantemente hidrelétrico como o brasileiro, a volatilidade de preços naturalmente ocorre em função das afluências e do clima, em muitos aspectos não gerenciável pelos agentes e pelas instituições do setor. Portanto, os riscos da atividade de comercialização sempre irão existir e são inerentes à própria dinâmica de formação de preços e características da oferta de energia no país. A existência de riscos não deve ser fator de restrições ou de julgamentos negativos precipitados. O que deve ser exigido dos agentes é a utilização de métodos de gerenciamento e mitigação destes riscos, e a existência de um ambiente de comercialização onde todos os agentes possam realizar suas operações com segurança e com limites de créditos definidos de forma transparente e com metodologia aceita pelo mercado.

O que se percebe em algumas manifestações de responsáveis pelas instituições do setor é uma preocupação que beira ao pré-julgamento que há má fé generalizada no mercado, e que ações devem ser tomadas para combater estes desvios supostamente mal-intencionados. Isso não é verdade e é importante registrar. Como em todos as atividades, desvios de conduta podem ocorrer, e o que o setor precisa é de critérios transparentes de participação no mercado, com a garantia de competição e regras para evitar a concentração de mercado em poucos agentes, e punição célere aos desvios verificados.

Um outro fato recente, que precisa ser analisado e refletido pelo setor e pelas instituições, é o pedido público de informações sobre operações e comportamento de agentes de comercialização realizado pela ANEEL junto à CCEE. Não se discute o direito da ANEEL em requerer quaisquer informações dos agentes regulados do mercado. No entanto deve-se tomar muito cuidado com a forma como isso é feito, principalmente num ambiente aberto e competitivo, em que qualquer dúvida manifestada por uma agência com credibilidade como a ANEEL, infundada ou não, pode destruir a capacidade de participação no mercado do agente envolvido, trazendo uma retroalimentação nociva que pode fazer que um agente que age de forma correta possa simplesmente perder a capacidade de operar no mercado devido a um questionamento do órgão regulador feito de forma indevida.

Como conclusão é possível vislumbrar o crescimento seguro da comercialização de energia no país, com um horizonte de eventos já traçado para que seja propiciada a total liberdade de escolha dos fornecedores de energia pelos consumidores, o que se reverterá em seu próprio benefício, razão de existir do setor elétrico brasileiro.

José Antonio Sorge é sócio administrador da comercializadora Ágora Energia