Quando o tema é a defesa da ANEEL, importante relembrar em breves palavras, o histórico e o
objetivo da criação das agências reguladoras.
Corria o ano de 1995, e estava evidente a incapacidade financeira do Estado brasileiro em
investir em grandes obras de infraestrutura. Tornava-se inevitável convocar o setor privado a
participar destas obras.
Em ações prévias, o Governo brasileiro preparou e aprovou os atos legais juntamente com o
Congresso Nacional, que desembocaram nas Leis descritas a seguir (cito as principais):
• Lei 8.987, de 13/02/1995 – “Lei das Concessões”
Permitiu a delegação, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo
poder concedente, por conta e risco do prestador do serviço.
• LEI Nº 9.074, DE 07/07/1995 – “Lei do mercado livre de energia elétrica e do
Produtor Independente de Energia -PIE”
Estabeleceu normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de
serviços públicos, bem como criou o mercado livre e o agente PIE
• LEI Nº 9.427, DE 26/12/1996 – “Lei da ANEEL”
Instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, que assumiu as funções do
DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica)
• LEI Nº 9.648, DE 27/05/1998 – “Lei do Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico
(Re-SEB)”
Instituiu o Operador Nacional de Elétrica – ONS, o Mercado Atacadista de Energia –
MAE (hoje CCEE), e promoveu a reestruturação da ELETROBRÁS
• LEIS Nº 10.847 e 10.848 DE 15/03/2004 – “Leis da EPE e dos Leilões de Energia”
Instituíram os leilões de energia e a separação dos ambientes livre e regulado de
comercialização da energia. Foi Criada a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, e
transformado o MAE em CCEE.
A menção à esta legislação, explicita a gênese da atual governança do setor elétrico, que
teve o objetivo maior de prover segurança e previsibilidade aos investimentos privados,
bem como definir o papel do Estado regulador e fiscalizador, através das agências
reguladoras, atribuição da ANEEL no setor elétrico.
O setor elétrico é vital para a economia brasileira, demanda investimentos vultosos com
longo prazo de maturação, e afeta diretamente ao cotidiano de milhões de brasileiros, daí
a ANEEL ser naturalmente considerada, felizmente, uma agência “modelo” dentre as
agencias reguladoras. E assim tem sido desde 1996.
A independência da ANEEL e a excelência do seu corpo técnico são condições
imprescindíveis, e não negociáveis, para garantir a confiança dos investidores no setor
elétrico, e para assegurar a segurança e estabilidade regulatórias.
Por este motivo, suas decisões e atos são baseados em análises técnicas fundamentadas e
rigorosas, discutidas com a sociedade e com os agentes do setor, por meio de Audiências e
Consultas Públicas promovidas pela Agência, previamente à deliberação final pela
Diretoria Colegiada.
Diante deste contexto, preocupa sobremaneira inúmeras deliberações emanadas pelo
Congresso Nacional que tem como efeito mais visível ocupar o papel de regulador da
ANEEL em importantes normativos do setor, com análises e decisões políticas, que são
legítimas, mas que nem sempre vem acompanhadas da preocupação com a modicidade
tarifária ao consumidor, através de análises técnicas que propiciem a tomada de decisão
dos legisladores com base no real impacto das decisões sobre o país e a sociedade.
Listo algumas ações e decisões recentes, algumas em andamento e outras já
implementadas, sob responsabilidade do Congresso Nacional, que ELEVAM AINDA MAIS
as tarifas aplicadas aos consumidores de energia, assim como afetam independência da
ANEEL e de outras instituições do setor elétrico. O efeito maior é a implementação de
políticas públicas utilizando as tarifas de energia e, não como seria correto, utilizar
recursos do próprio Orçamento do Tesouro Nacional. Assim, cria-se um círculo vicioso,
onde mais subsídios implicam em maiores tarifas de energia, e menor produtividade da
econômica brasileira.
Em breve resumo, destaco as algumas ações recentes do Congresso Nacional, que
produziram grandes impactos sobre a majoração de tarifas e preços no setor elétrico:
a) A contratação compulsória de 8 GW de termelétricas a gás natural até 2030, prevista
na Lei 14.182/2021.
Determinar implementação compulsória de geração, seja qual for a fonte, em locais
diversos daqueles recomendados pela EPE e pelo ONS, desprezando os estudos
realizados com critérios técnicos e sofisticados, trazem como consequência a expansão
e operação realizadas com maiores custos.
Estudos da própria EPE indicam um sobrecusto de R$ 54 bilhões nas tarifas dos
consumidores com a construção destas usinas até o ano de 2036.
O primeiro leilão para esta contratação, em atendimento ao disposto na Lei foi
realizado em 30/09/2022, e contratou 753,76 MW ao preço médio de R$ 444,00 MWh
no Amazonas.
b) As distribuidoras serão obrigadas a contratar no mínimo a metade de sua demanda
junto às hidrelétricas com potência de até 50 MW nos leilões A-5 e A-6 até o
atingimento de 2 GW, conforme Lei 14.182/2021.
O primeiro leilão A-5 para esta contratação foi realizado em 14/10/2022, e contratou
175,46 MW ao preço médio de R$ 277,99/MWh.
Aqui não se discute a importância das PCH e o seu papel estratégico pela localização
próxima aos centros de carga e baixo impacto ambiental. Ocorre que, da mesma
forma, trata-se de uma contratação compulsória, que pode deslocar fontes mais
baratas nos leilões, e onerar as tarifas aos consumidores. Não é um mecanismo de
mercado.
c) Sinal Locacional para Usinas: a Aneel, após longa discussão, com duração de 05 anos
com os agentes do setor, e dentro de suas atribuições, com a elaboração de análises
técnicas aprofundadas, aprovou em 20/09/2022, novas regras que aperfeiçoam o sinal
locacional nas tarifas de uso da rede elétrica. Com este normativo, os consumidores do
Nordeste/Norte são beneficiados.
A Aneel estima que, com a nova regulamentação, haja um alívio médio de 2,4% nas
tarifas dos consumidores da Região Nordeste e de 0,8% para os consumidores do
Norte.
No entanto, no âmbito do Congresso Nacional estão em discussões avançadas,
medidas que intervém nesta questão eminentemente técnica e correta, com o
objetivo de suspender seus efeitos, com o argumento principal que provocará perda
de competitividade nas usinas instaladas no Nordeste.
Aqui não se trata apenas de defender quem ganha ou quem perde, há uma questão de
fundo que é a tentativa de intervenção em atribuição da ANEEL respaldada em lei,
com ônus aos consumidores.
d) Prorrogação de 20 anos no prazo contratual das usinas do PROINFA: A Lei
14.182/2021 determinou a prorrogação do PROINFA. Os preços regulados definidos
pelo Decreto para esta prorrogação para as usinas que aderirem são: R$ 225,02/MWh
para hidrelétricas, R$ 173,47/MWh para eólicas, e R$ 292/MWh para biomassa (preços
teto do leilão A-6 de 18/10/2019).
Não houve discussão transparente sobre a necessidade desta prorrogação e, ainda
mais problemático para os consumidores, foi feita com preços superiores àqueles
praticados no mercado atual para as mesmas fontes. O consumidor pagará através das
tarifas, por esta prorrogação de usinas há muito amortizadas, com preços elevados e
subsídios. que hoje não são mais necessários para elas.
e) PL 2.703/2022: altera novamente dispositivos da Lei 14.300 que resultam em mais
subsídios à Geração Distribuída, política pública às custas do consumidor de energia.
Estas são algumas das ações que considero relevantes, mas há diversas outras em
curso que, se aprovadas, irão impactar as tarifas já elevadas dos consumidores de
energia no país.
Soma-se a este contexto, atos e ações dos próprios agentes, como a ostensiva
judicialização do setor, onde cada segmento procura, mesmo que legitimamente,
alterar regras e entendimentos da ANEEL e/ou outras instituições do setor, que visam
interesses próprios de cada segmento, mas nem sempre em favor da visão geral de
sustentabilidade do setor, que é a razão de existência de todos os agentes.
Este espaço não permite um texto maior onde podem ser abordadas muitas outras
nuances a relacionadas a este tema, mas, importante ressaltar, o momento que
vivemos é bastante crítico para a governança do setor elétrico e a estabilidade de suas
regras e regulação.
Em meu ponto de vista, sem um entendimento amplo entre os agentes e as
associações representativas de cada segmento, em torno de pontos de consenso e
eventuais renúncias a demandas individuais, em prol da sustentabilidade e evolução
do setor como um todo, não será possível a sustentabilidade do setor, tendo em vista
as ameaças crescentes, exógenas ao setor, de intervenções e sobreposição às
atribuições da ANEEL e do planejamento do setor.
Neste contexto a mensagem é bastante pessimista.