Em 02 de outubro de 2023, o Canal Energia publicou artigo de minha autoria com o título “Em defesa da ANEEL e da segurança regulatória”. Em 04 de abril de 2024 foi publicado outro artigo de minha autoria, com tema similar, e com o título: “Posicionamentos polêmicos da ANEEL levam à insegurança regulatória”. Neste artigo.
O parágrafo inicial expressava o texto: “AANEEL sempre foi considerada, com justiça, a mais eficiente das agências reguladoras, com cumprimento exemplar de suas atribuições de fiscalização e regulação de um dos mais importantes e estratégicos setores de infraestrutura do país, que é o setor elétrico brasileiro.”
Terminei aquele artigo com o seguinte texto: “Os posicionamentos atuais da ANEEL somente agravam este quadro. Quem deveria dar o exemplo e a segurança aos agentes, se desfaz em posicionamentos controversos e divergências pessoais.”
Mesmo parecendo um “Déjà vu”, ou seja, uma sensação que surge quando fazemos algo que dá a sensação de já ter feito antes, infelizmente me sinto compelido a voltar ao tema, pois não se trata de uma sensação de já ter feito ou visto antes, mas sim de uma realidade que permanece insistentemente presente para os agentes do setor elétrico. AANEEL precisa de defesa de todos nós que militamos no setor elétrico brasileiro.
Como consequência de representação junto à Comissão de Ética Pública da Presidência, face às divergências explícitas citadas anteriormente, a citada Comissão recomendou, em 18 de julho de 2024, que diretores da ANEEL evitem expor “inconformismo” em reuniões públicas. Mesma preocupação manifestada em meu artigo de 04 de abril, e de inúmeros agentes do setor que se posicionaram da mesma maneira.
Não cabe julgar o mérito ou as motivações destas diferenças de opiniões entre diretores, sempre existiram e é saudável que assim o seja, mas a forma como tem sido feitas, publicamente em reuniões oficiais de diretoria, talvez não tivessem ainda sido presenciadas pelo setor. Tais inconformismos poderiam ser explicitados em privado. A cada situação pública em que isso ocorre, a ANEEL se enfraquece, não há como evitar este dano colateral à Agência.
O momento atual pelo qual passam as agências reguladoras talvez seja o mais desafiador para sua existência, e atuação em conformidade com seu papel institucional, desde que foram autorizadas pelas Emendas Constitucionais nº 8 e 9 de 1995 e, em especial a ANEEL, que foi a primeira agência reguladora criada através da Lei nº 9.427/1996, posteriormente, aprimorada com a publicação, em 26 de junho de 2019, da Lei nº 13.848/2019, que dispôs sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras.
A reforma do Estado e do setor elétrico iniciadas na última metade dos anos 90, tornou obrigatória a existência da ANEEL, para exercer o papel de fiscalizar, regular os diversos segmentos de negócios do setor elétrico, implementar políticas e diretrizes do governo federal relativas ao setor, estabelecer tarifas, promover as atividades de outorgas de concessão, permissão e autorização de empreendimentos e serviços de energia elétrica, por delegação do Governo Federal.
É preciso que a ANEEL tenha autonomia administrativa, recursos humanos e financeiros à altura dos seus desafios. O atual movimento “Valoriza Regulação” escancara ao setor que estes prérequisitos essenciais para o funcionamento adequado da ANEEL há muito deixaram de existir.
Contingenciamentos de orçamento e diminuição de quadro de pessoal sem reposições e remuneração adequadas, são um lado fatídico deste processo de deterioração do poder de regular e fiscalizar da ANEEL.
No outro lado, decisões oriundas do Congresso Nacional interferem de forma sistemática na autonomia das decisões técnicas da Agência (vide alguns exemplos: (i) decisões do Congresso Nacional sobre sinal locacional das tarifas de transmissão, tema exaustivamente debatido pela sociedade através de audiências e consultas públicas e alterada de forma intempestiva sem medir consequência de custos ao setor e consumidor; (ii) incontáveis “jabutis” inseridos nos projetos de lei e medidas provisórias inseridos na lei de privatização da Eletrobrás, no PL das eólicas offshore, na MP 1232, apenas para citas uns poucos), os quais invariavelmente aumentam custos ao consumidor e alteram a lógica técnico-econômica do planejamento do setor elétrico, de forma danosa e sem análise de impactos de seus custos para o consumidor que paga a conta em última instância, e é o responsável pela existência do setor elétrico.
O arcabouço legal do setor está obsoleto e ultrapassado há alguns anos. Não atende mais à nova realidade de abertura do mercado livre de energia, das novas fontes emergentes e renováveis, das novas tecnologias e do papel empoderado do consumidor. Pior, a falência do modelo de governança, dá margem a todo tipo de interferências indevidas e prevalência de lobbies setoriais, que invariavelmente impõem seus interesses em detrimento das decisões racionais, técnicas e de menor custo para o consumidor, reguladas e conduzidas pela ANEEL e as instituições do setor, como ONS e EPE.
No entanto, espantosamente, o que se assiste é, invariavelmente, um conjunto de discursos bem escritos e recheados de boas intenções, sem que exista uma diretriz objetiva com ações explícitas e respectivos cronogramas, para sua execução e atingimento de objetivos bem definidos.
A conclusão é óbvia: sem a ANEEL fortalecida e autônoma, o risco regulatório no setor elétrico brasileiro aumenta de forma exponencial, afetando agentes e investidores que investem bilhões no setor mais importante de infraestrutura, e vital para o desenvolvimento sustentável do país.
Vai ficar por isso mesmo? Até quando?
Jose Antonio Sorge é sócio administrador da comercializadora e consultora ÁGORA ENERGIA.