Para desenvolver as justificativas e argumentações para o título deste artigo, inicialmente vamos destacar as ações mais relevantes observadas nos últimos anos e que ecoam em 2020, seja no âmbito do Congresso Nacional, como das instituições e dos agentes do setor, visando a discussão e alteração das regras de funcionamento do setor elétrico.
AÇÕES NOS ULTIMOS ANOS | CONTEÚDO E OBJETO | CONSEQUENCIAS |
Lei nº 13.203/2015 e Resolução Normativa Aneel 684/2015 | Regulamentou as condições para a repactuação do risco hidrológico | Os geradores no ACR aderiram
Os geradores do ACL não aderiram |
Resolução Normativa Aneel 687/2015 | Revisou a REN 482, que estabeleceu as regras para a GD | Ampliou o publico alvo para GD e promoveu maior dinamismo e viabilidade dos projetos |
CP 33 MME/2017 | Propôs ações e medidas para aprimoramento do marco legal do setor | Após 2004, foi a primeira iniciativa efetiva que motivou a discussão das mudanças no marco legal, mas não implementadas em sua maioria |
Portaria MME nº 187/2019 | Instituiu GT Modernização do Setor Elétrico | Elaborou diagnóstico setorial, em continuidade às discussões da CP33 |
Portaria MME n° 403/2019 | Instituiu o Comitê de Implementação da Modernização | Implementou Plano de Ação, baseado em 15 frentes principais de atuação, em andamento |
Portaria MME n° 465/2019 | Inclui prazos para novas faixas de consumidores na abertura do mercado livre | Os limites de demanda serão diminuídos gradativamente, e consumidores com carga igual ou maior que 500 kW poderão comprar energia de quem quiser em janeiro de 2023 |
Discussão e aprovação do PLS 232/2016 no Congresso | Estabelece novo marco regulatório para o setor | Estabelece a portabilidade da conta de luz, a separação de lastro e energia nos leilões, a eliminação de subsídios |
Aprovação do PL 3975/19 no Senado em 13/08/2020
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Estabelece novas condições para a repactuação do risco hidrológico | Agentes devedores quitarão seus débitos na CCEE por meio da extensão de seus
prazos de outorga, limitada a sete anos. Tem o efeito de destravar recursos da ordem de R$ 8,7 bilhões na CCEE |
Portaria 301/2019 – MME | Estabelece cronograma para utilização do modelo DESSEM.
Desde janeiro/20, o DESSEM é utilizado para fins de programação da operação pelo ONS A partir de 1º de janeiro de 2021, o Modelo DESSEM será utilizado para fins de formação do PLD pela CCEE
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Assegurar o cronograma previsto para implantação do modelo de cálculo de preço horário para o PLD em janeiro de 2021 na CCEE |
A lista acima não é exaustiva, mas procura destacar as principais ações e atos implementados desde 2015 e aqueles de alta relevância em tramitação no Congresso, como o PLS 232.
É possível verificar que houve e está ocorrendo muita discussão, desde 2015, em alto nível de excelência e competência de todos os envolvidos, mas poucos resultados práticos de implementação das medidas estudadas.
É compreensível que tal fato tenha ocorrido em função da transição no Governo Federal em 2019, e das consequências da pandemia em 2020, que dificultaram o andamento dos trabalhos nas instituições e no Congresso Nacional.
No entanto, é preciso reconhecer que a ausência de iniciativas governamentais para alteração do marco legal do setor por um período longo (desde 2004 até 2017), culminou num sentido de urgência para a maioria das ações propostas, que se demorarem para serem implementadas, corre-se o risco de não serem eficazes, face ao acúmulo de problemas provocados pelas atuais regras.
Segue uma relação destas ações urgentes, não exaustiva, que precisam ter um encaminhamento de solução e aperfeiçoamentos com a maior brevidade.
TEMA | PROBLEMAS ATUAIS | AÇÕES NECESSÁRIAS |
Ampliação do mercado livre | Desde 1995, acesso restrito apenas a grandes consumidores no mercado livre | · Aprovar o PLS 232 no Congresso
· Estabelecer cronograma oficial de abertura |
Lastro e Energia | A contratação atual da expansão, com predominância de fontes renováveis intermitentes, impõe riscos de atendimento, e não tem valorizado adequadamente os atributos de cada fonte disponível | · Aprovar o PLS 232 para estabelecer o marco legal de separação lastro e energia
· Permitir que os leilões em 2021 possam oferecer tais produtos separadamente |
MRE | O risco hidrológico permanecerá elevado, com a maior penetração das renováveis intermitentes e ausência de grandes reservatórios na expansão | · Expurgar componentes não gerenciáveis pelos geradores no cálculo do GSF
· Iniciar ações efetivas, com prazo determinado, para a transição para modelo de oferta de preços |
Sustentabilidade da Distribuição | Sobrecontratação e subcontratação frequentes, rigidez na contratação, expansão da GD, novas tecnologias impactam o negócio | · Flexibilizar limites de contratação e negociação de excedentes
· Separar atividade fio de comercialização · Criar comercializador regulado · Tarifa binômia na BT |
Geração Distribuída – GD | Instabilidade de regras e mudanças em discussão na ANEEL e no Congresso, sem prazo definido | · Estabelecer forma de remuneração da rede, compatível com as alternativas de sustentabilidade da distribuição e da GD
· Permitir comercialização de excedentes de GD |
Adequação da Garantia Física – GF | GF total disponível atualmente é artificial, pois não considera a deterioração havida ao longo do tempo de concessão.
Riscos de suprimento existentes se ONS e EPE operarem e planejarem o sistema com base em oferta irreal disponível |
· Há questões legais importantes que impedem a adequação da GF, devido a direitos adquiridos das Usinas existentes.
· Implementar formas de manter direitos adquiridos, associadas à revisão realista da GF |
Alocação eficiente de custos e tributos | Diversos subsídios existentes distorcem a percepção de custos reais da energia
A tributação causada pelo ICMS contribui para a energia no Brasil estar entre as mais caras do mundo |
· Eliminar o subsídio para fontes renováveis e autosustentáveis
· Discutir de forma transparente com os Governos Estaduais e Congresso a incidência do ICMS na energia elétrica · Incentivar substituição de diesel nos sistemas isolados através de expansão de energias renováveis |
Os temas são complexos, e as opiniões acima, algumas de caráter pessoal, são em sua maioria expressas em documentos públicos do MME e das instituições do setor, além de serem debatidos de forma frequente em eventos. Os 15 temas prioritários do MME, conforme Portaria 403/MME, foram distribuídos em 88 ações em andamento, sendo 17 finalizadas até o momento, conforme informado pelo MME.
O mercado livre, pela sua própria natureza, está evoluindo rapidamente na participação da expansão com fontes renováveis e criação de mecanismos financeiros para hedge de operações realizadas no mercado físico, aumentando a segurança das transações e as comercializadoras adotaram mecanismos de gerenciamento de riscos que demonstram o amadurecimento do mercado e dos agentes que atuam no ambiente livre.
No entanto, os temas destacados neste artigo, apesar de reconhecidamente complexos e que merecem uma transição cuidadosa na sua implementação, já deveriam estar sendo implementados efetivamente, de forma que se mitigue os riscos futuros de perda de sustentabilidade do próprio setor, que certamente será irreversível com o advento das novas tecnologias de armazenamento, maior expansão da GD e a diversificação crescente da matriz energética brasileira.
JOSÉ ANTONIO SORGE SÓCIO ADMINISTRADOR DA COMERCIALIZADORA ÁGORA ENERGIA