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ONS, transparência e cortes de geração: precisamos falar sobre isso

Em diversos países um número cada vez mais relevante de sistemas de armazenamento de energia elétrica em baterias contribuem de forma robusta para reduzir curtailment.

Nos últimos meses, o Operador Nacional do Sistema (ONS) tem chamado atenção para os cortes de geração renovável, o chamado curtailment. O tema é relevante, porque trata da decisão de reduzir a geração de eletricidade de usinas renováveis já instaladas, em plena capacidade de operação, por limitações do sistema elétrico. Esse debate deve ser conduzido com transparência e ampla participação setorial.

Na ocorrência de cortes, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) estabeleceu três categorias distintas de restrição de geração. As restrições por confiabilidade ocorrem quando a geração é reduzida para manter a estabilidade da rede elétrica, mesmo havendo recurso renovável disponível. Por sua vez, as restrições por razões elétricas decorrem da incapacidade da rede de transmissão de escoar a eletricidade. Já as restrições por razões energéticas acontecem quando há descasamento entre geração e demanda.

Apesar de todas representarem indisponibilidades fundamentalmente externas aos geradores, ou seja, que não foram originadas por suas ações individuais ou suas operações, a regulamentação estabelecida pela ANEEL permite o ressarcimento apenas das restrições por razões elétricas, ocasionando significativo prejuízo imponderável aos geradores renováveis afetados.

A situação é agravada pela atual abordagem do ONS de classificar restrições simultâneas como energéticas, conforme descrito em relatório recente, o RT DGL-ONS 0189/2025. Essa escolha metodológica inverte a lógica causal do problema: mesmo que a demanda fosse infinita, as restrições elétricas permaneceriam. Ao desconsiderar esse fato, o ONS compromete diagnósticos e conduz a soluções de planejamento subótimas.

Hoje, não existem mecanismos de auditoria independentes que permitam verificar quem foi cortado, quanto foi cortado e por qual motivo. Essa ausência mina a confiança de agentes do setor e dos consumidores nas decisões tomadas. Em países como Estados Unidos (EUA) e Reino Unido, onde a integração de renováveis avançou mais, a transparência e o uso de mecanismos de mercado são a regra, não a exceção. Nessas nações, consumidores e pequenos geradores são tratados como parte da solução, e não como um problema.

Nesse contexto, a proposta de incluir a geração distribuída nos cortes é especialmente preocupante. Além de tecnicamente inviável, já que a micro e minigeração estão pulverizadas e fora do despacho centralizado, essa medida é ilegal. A Lei nº 14.300/2022 garante ao consumidor-gerador o direito de gerar sua própria energia limpa e renovável. Alterá-la, direta ou indiretamente, seria um ataque ao processo democrático que levou ao consenso em torno da geração distribuída e uma afronta à segurança jurídica dos investimentos já realizados por consumidores, empreendedores e investidores nacionais e internacionais.

Paralelamente, não podemos deixar de lado a implementação, no Brasil, de soluções já implementadas com sucesso em outros países. Em diferentes estados dos EUA, bem como na Alemanha e na Austrália, um número cada vez mais relevante de sistemas de armazenamento de energia elétrica em baterias contribuem de forma robusta para reduzir curtailment. No Reino Unido, leilões de flexibilidade permitem que consumidores e pequenos geradores contribuam ativamente, por meio de seus próprios investimentos e equipamentos, para fortalecer a operação do sistema. No Brasil, o último leilão de reserva de capacidade foi realizado em 2021, focado exclusivamente em termelétricas fósseis, mais caras e poluentes, apesar do crescimento da necessidade de recursos flexíveis. É preciso retomar estes leilões, com abertura para hidrelétricas e outras usinas renováveis despacháveis (como biomassa, biogás etc.), bem como para tecnologias de armazenamento de energia elétrica.

Projetos estratégicos, como o ONS-DSO, conduzidos sem a participação dos agentes que investem e operam recursos distribuídos, comprometem a legitimidade institucional e reduzem a qualidade das soluções propostas. Decisões a portas fechadas, sem todos os interessados, sobre mudanças regulatórias ampliam o risco de judicialização e corroem a confiança de investidores e consumidores.

O setor elétrico brasileiro não precisa de culpados, mas de soluções. Para que o país avance rumo a um sistema mais moderno, sustentável, eficiente e justo, é fundamental que toda a governança do setor, incluindo ONS, ANEEL e governo federal, adote uma postura de transparência plena, abertura ao diálogo e respeito ao marco legal vigente. Só assim será possível valorizar o papel dos consumidores e pequenos geradores como parte da solução, e não como bode expiatório.