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Oportunidades para o setor elétrico na crise

Muito se tem discutido sobre a necessidade de evolução do modelo setorial. Muito se tem feito para que esse objetivo seja atingido.

Desde 2017 com a CP 33, e atualmente com as atividades do GT Modernização no âmbito do MME.

Ocorre que com a eclosão da atual crise advinda das ações de combate e prevenção ao COVID-19, as instituições e os agentes do setor, sem distinção, foram atingidos por um verdadeiro tsunami de fatos e consequências da profunda queda do consumo de energia provocada pela paralisação das atividades industriais e comerciais no país, além dos impactos deletérios sobre o setor de serviços.

Não há prazo ainda definido para o fim deste regime de exceção e isolamento das pessoas, o que leva a grandes incertezas nas consequências e duração das ações ora em curso no país.

A EPE juntamente com ONS e CCEE divulgaram em 27/03 a ansiosamente aguardada revisão quadrimestral de carga pelos agentes, tendo em vista seus impactos sobre as expectativas de preços no mercado livre e também para o planejamento de todos os segmentos do setor.

O resultado apresentado mostra uma queda de 0,9% no consumo em 2020 quando comparado com o realizado em 2019. A projeção inicial para o ano era de um crescimento de 4,2% em 2020.

Da mesma forma, o PIB inicialmente previsto apontava para um crescimento de 2,3%, e a nova projeção indica agora crescimento nulo (0%) sobre o ano anterior.

A consequência desta revisão é que teremos uma queda na carga de energia de cerca de 3.500 MW médios em 2020 quando comparado com o volume inicialmente previsto para o ano. Em outras palavras, mais uma vez teremos uma perspectiva de atraso no crescimento do consumo de energia, que tem reflexos de mesmo volume para os anos subsequentes.

Podemos considerar essa revisão de carga ainda otimista, pois os analistas econômicos preveem uma redução do PIB, alguns projetando desvios negativos que alcançam 4% e com redução no consumo superior a 4%. Ou seja, a redução de consumo pode ser maior que a prevista nesta revisão quadrimestral apresentada.

O que isso impacta nas atividades dos agentes dos diversos segmentos do setor? Segue alguns impactos, sem mesmo fazer uma análise exaustiva:

1. Aumento da sobrecontratação das distribuidoras
2. Aumento da inadimplência dos consumidores cativos
3. Solicitação de reequilíbrio de contratos no ACR e ACL
4. Adiamento de leilões regulados
5. Incertezas de investimento para geradores e transmissores
6. Riscos de inadimplência nas relações comerciais entre agentes do setor
7. Problemas iniciados nas distribuidoras podem se espraiar por todos os segmentos de negócios
8. Atrasos na solução para o GSF e na aprovação do novo marco regulatório no Congresso que estava bem encaminhado, finalmente
9. Riscos de judicialização
10. Perda de valor das empresas

Em relação ao adiamento dos leilões, não há o que se fazer, pois é impossível realizar estes certames em ambiente de alta incerteza na demanda para os próximos anos, indefinição de taxa de cambio de longo prazo, falta de referência minimamente estável nos preços dos combustíveis, e custos maiores de financiamento.

A solução para o GSF que foi aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos – CAE no Senado parecia estar atingindo finalmente o seu momento de consenso e aprovação e ser aprovado em Plenário. O setor terá que esperar mais uma vez.
No entanto, apesar de todas estas enormes dificuldades e grandes impactos nas atividades do setor envolvendo todos os segmentos, é preciso enfrenta-las, encontrar as soluções e viabilizar uma saída da crise (ela vai acabar com certeza em algum momento) proporcionando ao país um setor elétrico mais forte e mais sustentável.

Os problemas são muitos e as soluções não são fáceis. Se nada for feito, teremos o pior cenário possível, com o agravamento dos impactos listados anteriormente.

Mas é necessário olhar também para a “metade do copo cheio” desta realidade, e encontrar soluções virtuosas para uma saída que resulte em melhor funcionamento do setor à frente.

Algumas ações que estão sendo discutidas e aspectos positivos que podemos transformar em oportunidades são listadas a seguir, também sem uma análise exaustiva:

1. Escritórios renomados de advocacia e associações do setor tem indicado que a experiência com a conta ACR no passado pode ser aproveitada para se adotar solução semelhante no atual momento, com isso minimizando os problemas de fluxo de caixa das distribuidoras e garantindo o fluxo comercial entre os agentes.
2. A experiência acumulada para superar os efeitos negativos da Lei 12783/13 (conversão da MP 579) pode ser utilizada neste momento
3. A crise atual não é maior que aquela gerada pelo racionamento em 2001/2002, em minha opinião. A duração do racionamento chegou a 10 meses com uma profunda mudança de hábitos de consumo pelos consumidores de forma permanente. O “Acordo Geral do Setor” celebrado naquela ocasião minimizou as consequências para os agentes, mas deixou desequilíbrios para a distribuição e aumento de custos para o consumidor. No entanto temos fortes experiências deste período que podem ser aproveitadas em momentos de crise.
4. O adiamento dos leilões pode dar o tempo adicional necessário para o MME formatar a separação entre lastro e energia nos próximos certames, proporcionando assim uma maior celeridade na transição para o novo modelo, com correta alocação dos custos, atualmente desproporcionalmente repartidos entre os agentes
5. Os preços menores no mercado livre que estão previstos ocorrerem por um período, decorrentes da queda do consumo, podem estimular mais fortemente a migração dos consumidores elegíveis, viabilizando o cronograma de liberação previsto no PLS 232. mais célere e apoiado por parte majoritária do setor
6. Os mecanismos existentes para mitigação de riscos com contratação de energia, como o MVE e MCSD de Energia Nova, serão adotados pelas distribuidoras para abastecer com suas sobras o mercado livre crescente, e assim mitigar a sobrecontratação das empresas

Por fim, mais uma vez fica flagrante que as distribuidoras não precisam nem devem assumir os riscos de contratação de energia. Pelos impactos listados anteriormente e suas consequências negativas, não é difícil perceber que se toda a energia fosse negociada em ambiente livre e com as partes ajustando suas diferenças de forma bilateral, não haveria necessidade de contas ACR, riscos de sobrecontratação e todas as amarras inerentes a um setor fortemente regulado como a distribuição, que inserem custos adicionais aos consumidores cativos.

O mercado livre está passando por um período de ajustes de contratos e negociações bilaterais entre as partes, e está voluntariamente buscando conciliação e acertando as pendencias, sem pedir auxilio ao Governo no que tange a seus riscos assumidos. E o mercado livre está muito mais maduro hoje comparado com o inicio de 2019. Fruto de dificuldades e aprendizado com crises anteriores e está preparado para assumir maiores desafios. A ANEEL e a CCEE ajustaram suas regras e auxiliaram o mercado a se aprimorar.

Esperamos que não se veja somente os enormes aspectos negativos da crise, mas que o setor possa sair dela maior do que entrou. Depende somente dos agentes e das instituições.

José Antonio Sorge é sócio administrador da Comercializadora Ágora Energia