Quando o Governo Federal conseguiu fazer a primeira privatização no setor elétrico, ocorrida em 1995, com a transferência do controle da Escelsa (atualmente EDP Espírito Santo), a maioria dos agentes do setor era cética em relação aos resultados positivos que poderiam advir deste processo.
Era natural que o leilão de privatização, naquele momento, fosse eivado de dúvidas e com forte oposição das corporações e de parte da sociedade.
Afinal, o setor elétrico planejado e operado sob a coordenação da Eletrobrás, vinha historicamente se expandindo com investimentos estatais de grande porte, e planejado centralizadamente de forma determinativa, com concessões outorgadas às grandes estatais federais e estaduais, nos segmentos de geração e transmissão de energia.
Na distribuição de energia, segmento por onde a privatização do setor se iniciou com o leilão da Escelsa, os Governos Estaduais detinham o controle acionário de forma predominantemente majoritária.
A tabela a seguir relembra o perfil societário das empresas de energia elétrica vigente até 1995:
CONTROLE | GERAÇÃO | TRANSMISSÃO | DISTRIBUIÇÃO |
Federal | 61% | 29% | 19% |
Estadual | 36% | 60% | 79% |
Privado | 2% | 11% | 2% |
No entanto, este controle estatal era insustentável, pela total incapacidade do Estado em realizar os investimentos necessários para a expansão do setor elétrico para os anos seguintes. Ou seja, o modelo estatal faliu, e os recursos estatais abundantemente disponíveis para a energia elétrica até então, não mais existiam.
A Lei 8987 de 13/02/1995, chamada Lei das Concessões, deu sustentação para as privatizações de infraestrutura, em particular a conduzida no setor elétrico nacional.
A publicação da Lei 8987 estimulou as privatizações, e no ano seguinte ao da privatização da Escelsa, em 1996, foi realizada a privatização da Light, também uma estatal federal.
Felizmente os governos estaduais deram sequencia à esta iniciativa do governo federal, e em 1998, um total de 44% do mercado brasileiro de distribuição já se encontrava sob controle privado, envolvendo os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Sergipe, que se transformaram em empresas saudáveis, sem interferência políticas nocivas e com melhoria contínua da qualidade do serviço prestado.
O Estado regula e fiscaliza o setor através da ANEEL, e eventuais desvios na aplicação das normas, são penalizados com rigor.
Após 1998, praticamente todas as distribuidoras de energia foram privatizadas, sendo os processos mais recentes a privatização das seis distribuidoras da Eletrobrás, em 2018
Esta privatização das distribuidoras da Eletrobras interrompeu uma sangria nos cofres da estatal, que indicava que as seis distribuidoras tinham um prejuízo acumulado de R$ 22,1 bilhões até 2017. Somente no primeiro trimestre de 2018, o resultado negativo foi de R$ 1,9 bilhão. Não havia mais condições econômico-financeiras de continuar operando as empresas deficitárias.
Ainda permanecem sob controle estatal estadual as distribuidoras CEA no Amapá, CCEE no Rio Grande do Sul, a COPEL no Paraná e a Cemig em Minas Gerais.
Infelizmente para o setor, esta onda de privatizações no segmento de distribuição não teve correspondência no segmento de geração e transmissão.
No segmento de transmissão, os leilões regulados realizados para licitar novas instalações, resultam em controle privado na maioria das instalações licitadas. No entanto, a maior parte deste segmento ainda é estatal, preponderantemente sob controle da Eletrobras.
O segmento de transmissão hoje tem oito transmissoras que controlam 80% da Rede Básica, em km: Cemig, CTEEP, CHESF, COPEL, Eletronorte, Furnas, CEEE-GT e Eletrosul. Com exceção da CTEEP, todas as demais são estatais.
Da mesma forma, no segmento de geração, os leilões regulados de energia nova resultam em novas usinas sob controle privado em sua maioria. No entanto, as maiores empresas de geração ainda são estatais: Furnas, Chesf, Eletronorte, Copel, Cemig.
A onda inicial de privatizações em 1995 chegou ao segmento de geração, com a venda da Eletrosul, uma das controladas da Eletrobras, e que hoje se transformou na próspera e gigante empresa privada Engie Brasil. No entanto, todas as outras tentativas de privatização das demais empresas controladas da Eletrobras se frustaram, e nenhuma privatização foi feita desde então.
É indiscutível a participação exitosa da iniciativa privada na expansão da capacidade de geração e transmissão no Brasil. Segundo o PDE 2029 da EPE, será necessário construir 49.000 km de Linhas de Transmissão nos próximos 10 anos, com investimentos previstos de R$ 127 bilhões.
Da mesma forma, a expansão indicativa de geração do PDE 2029 indica a necessidade de aumento de 33.500 MW na capacidade instalada de geração no país somente no período de 2023 a 2029, com investimentos previstos de R$ 239 bilhões.
Em que pese a boa administração atual da Eletrobrás, cujo presidente declarou recentemente que a estatal irá participar do próximo leilão de transmissão previsto para 17/12/2020, a verdade incontestável é que somente a iniciativa privada conseguirá se responsabilizar pelos vultosos investimentos previstos, que serão vitais para o atendimento futuro do mercado de energia brasileiro.
O mundo e o Brasil estão claramente num momento de transição energética para uma matriz mais limpa e com predominância de energias renováveis.
Os famosos 4 Ds: descentralização, descarbonização, democratização e digitalização do setor de energia brasileiro já estão presentes em todas as ações dos agentes. Sem ser exaustivo, segue uma lista de acontecimentos em andamento:
- geração distribuída – GD em franca expansão,
- a maior participação do consumidor no controle de seu consumo e geração próprias permitindo a resposta da demanda de forma ágil e relevante,
- a chegada do 5G que permitirá a mobilidade e digitalização de uma forma nunca antes vista na humanidade,
- os carros elétricos,
- a evolução da tecnologia com o barateamento gradativo do armazenamento de energia,
- o PLD horário a partir de janeiro de 2021,
- as fontes intermitentes e renováveis que cada vez mais ocupam espaço na matriz de oferta brasileira e mundial,
- a ampliação do mercado livre,
- o dinamismo competitivo que os comercializadores propiciam ao mercado e
- o programa de modernização do setor
Há uma coisa certa neste cenário: o Governo e suas estatais não tem recursos financeiros suficientes para ter controle sobre o processo.
Causa espanto as dificuldades políticas para a privatização da Eletrobrás neste cenário. A privatização da empresa permitirá um grande salto na participação da iniciativa privada no setor elétrico. Forças retrógradas tem utilizado o sério apagão ocorrido no Amapá para justificar a não privatização da empresa, e pior ainda, difamar a iniciativa privada. Estas ações não resistem a uma superficial análise dos benefícios que a iniciativa privada proporcionou ao setor nestes últimos 25 anos e a sua responsabilidade para os próximos anos para a sustentabilidade do setor elétrico brasileiro.
JOSÉ ANTONIO SORGE SÓCIO ADMINISTRADOR DA COMERCIALIZADORA ÁGORA ENERGIA