Os eventos vivenciados pelo segmento de comercialização no inicio deste ano, quando se sentiu os efeitos da gestão temerária de duas comercializadoras, que se refletiram negativamente no mercado e afetaram a continuidade de funcionamento das operações de algumas outras, motivou uma discussão importante entre os agentes sobre quais ações deveriam ser adotadas visando dar maior segurança nas operações de mercado, de forma a se evitar ou minimizar os efeitos de futuras ocorrências dessa natureza.
Os comercializadores, com uma visão de mercado mais amadurecida, após os acertos de contas que foram realizados entre as partes envolvidas, voltaram-se à discussão do tema segurança no mercado com mais ênfase, capitaneados pela ABRACEEL e também com iniciativas próprias, pela garantia de sustentabilidade de seu negócio e pela adoção das melhores práticas de mercado.
Dentre as ações em andamento internas às empresas, estão a adoção de critérios mais rigorosos na análise de crédito entre as contrapartes comercializadoras, aperfeiçoamento das metodologias de gerencia de riscos com a adoção de indicadores relacionados a limites de exposição no mercado, avaliação do portfólio e da capacidade econômica relacionada aos riscos assumidos, avaliação de concentração de crédito no mercado e muitas outras medidas.
Por parte da ABRACEEL, a Associação está implantando processo de certificação de empresas, através de uma entidade independente que avaliará de forma permanente indicadores chave para identificação transparente das ações das empresas e sua posição no mercado, que redundará em maior transparência e segurança entre os agentes. Este processo, conforme informação da ABRACEEL não ficará restrito apenas aos seus associados, com possibilidade de adesão voluntária do mercado ao processo.
Por parte das instituições do setor, a ANEEL pretende implementar dispositivos regulatórios que aperfeiçoem a segurança do mercado. Com o intuito de colaborar neste processo, a CCEE elaborou a NT CCEE – 42/2019 que trata do assunto.
Esta NT da CCEE baseia-se em três medidas: (i) critérios de participação no mercado; (ii) apuração de chamada de margem semanal; (iii) indicadores de mercado. Os critérios de participação no mercado e indicadores de mercado são bem vindos e podem complementar as ações que os comercializadores já tomaram em relação a estas medidas.
O mesmo não pode ser afirmado quanto à medida de apuração de chamada de margem semanal. Aqui cabe um questionamento mais incisivo quanto à relação custo/benefício desta medida. Em poucas palavras, a consequência prática desta medida será replicar semanalmente ações que são realizadas uma vez no mês pelos agentes, como registro/ajustes e validações de contratos, aporte de garantias e verificação de medições em base semanal.
É obrigatório se questionar qual a segurança adicional que esta chamada de margem semanal agregará ao mercado? A sua implantação em momento anterior teria evitado as ocorrências observadas no inicio deste ano? A resposta correta e imediata é NÃO. Esta medida evitará tais problemas no futuro? NÃO. Adicionalmente, teremos mais incertezas como estimativas de medição em momentos de falha na recepção das medições pelo sistema da CCEE, o ambiente regulado não está incluído e os agentes terão que aditar todos os contratos que incluem a clausula “registro contra pagamento” pois os registros passarão a ser semanais, com o consequente pagamento também nesta periodicidade.
Ou seja, a chamada de margem semanal incluirá uma burocracia enorme com reflexos maiores sobre próprios consumidores livres, que em geral não possuem estrutura adequada para isso e deverão se adequar a este novo formato. É uma medida que vem em sentido contrário ao anseio pela maior liberação do mercado livre, pois certamente desestimulará consumidores a entrarem neste mercado, devido à maior complexidade e burocracia das operações.
Há muito o que se falar sobre a proposição da CCEE para implantação da chamada de margem semanal a partir de 2020. Não é o objetivo deste texto. Os agentes terão oportunidade de se manifestar na Consulta Pública da ANEEL sobre o tema. No entanto, está claro que de forma quase unanime o mercado reagiu muito mal a esta proposta.
Pesa ainda contra esta medida, o fato que há previsão de implementação do PLD horário a partir de janeiro de 2020, há uma alta inadimplência na CCEE e a solução para o GSF não está implementada nem ainda aprovada no Congresso de forma definitiva (falta o Senado apreciar o tema), o MME pretende evoluir o modelo do setor através da continuidade dos debates iniciados com a CP 33/2017 e dos grupos de trabalho formados pelo GT Modernização, que deverá apresentar proposições e ações para alteração do modelo, algumas com eficácia a partir de 2020 também.
É preciso refletir se a implementação da chamada de margem semanal é viável e factível neste ambiente de grandes mudanças que estão planejadas no setor. Não seria um fator complicador para os agentes, com uma medida questionável em relação à sua efetividade em proporcionar maior segurança no mercado? O que está claro é que haverá aumento de custos que esta medida trará para os agentes, para os consumidores e para a CCEE, que em ultima instancia será pago também pelos agentes, através das contribuições associativas mensais.
É imperativo se refletir sobre se é mesmo necessário mais regulação na segurança do mercado pela ANEEL e CCEE adicionada ao que já existe e que é bastante consistente, ou a autorregulação já em implantação pelos comercializadores pode dar este sinal com muito maior efetividade e eficácia. Lembremos que a regulação na atividade de comercialização não deve afetar a livre concorrência e não deve ser invasiva a ponto de entrar em assuntos e estratégias das empresas.
O mercado de comercialização se aperfeiçoa continuamente e nos momentos de crise que podem ocorrer neste ambiente competitivo e que tem riscos, o mercado amadurece e se autorregula para proporcionar maior segurança. Isso está ocorrendo com responsabilidade e com a adoção de medidas concretas por parte dos agentes.
A regulação do setor também evolui continuamente, e esta evolução levou à edição da (i) REN 545/2013 que trata de procedimentos para desligamento de agentes, a qual deve ser aperfeiçoada de modo a agilizar estes desligamentos, (ii) REN 678/2015 que estabeleceu o critério atual para autorização de comercializadores e que também deverá ser aperfeiçoada pela ANEEL; (iii) REN 701 que estabeleceu as condições de monitoramento do mercado pela CCEE; (iv) REN 622/2014 que estabeleceu a disciplina sobre efetivação de registros de contratos de compra e venda de energia na CCEE. A REN 622/2014, em meu entendimento, com a implementação dos ajustes contratuais dos agentes inadimplentes certamente evitou que os reflexos dos problemas observados no inicio do ano se generalizasse de forma multilateral para todo o mercado, e deixou restritos os reflexos somente aos agentes envolvidos. Isso é um reflexo que a atual regulação funcionou nos momentos mais necessários como os observados.
Está claro, portanto, que a diligencia permanente de ações da ANEEL e CCEE com a edição dos atos regulatórios citados, proporciona uma regulação robusta ao setor, e que vai sendo aperfeiçoada e evoluída à medida que as regras e o mercado o exigem.
Isso certamente se aplicará à REN 678 para introdução de novos critérios para autorização de comercializadores e também a REN 545/2013 para permitir maior agilidade no desligamento de agentes inadimplentes.
Diante deste contexto, é nossa obrigação neste ambiente de transparência e abertura de discussões, questionar a ANEEL e CCEE quanto à necessidade e efetividade de se adotar uma medida polemica como a implantação de chamada de margem semanal, com aumento de custos e burocracia para os agentes, num momento em que se procuram simplificações de processos, eficácia de medidas e abertura do mercado.
Segurança custa e todos estão dispostos a pagar por ela, mas que seja em medidas eficazes e que comprovadamente tenham custo/benefício compatível.
JOSÉ ANTONIO SORGE
SÓCIO ADMINISTRADOR DA COMERCIALIZADORA ÁGORA ENERGIA