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Separação Lastro e Energia
É Possível já em 2020

O setor elétrico vai e deve evoluir em seu modelo de gestão. É um consenso entre os agentes neste inicio de 2020.

Estamos falando de decisões concretas, como a formação de preços horários com data marcada para janeiro de 2021 para utilização pela CCEE, e já em aplicação na operação pelo ONS desde o inicio de janeiro.

Estamos falando também da abertura do mercado livre que já tem cronograma oficialmente estabelecido, conforme prevê a Portaria 465/2019. Até janeiro de 2023 todos os consumidores com demanda contratada acima de 500 KW poderão adquirir energia de qualquer fonte, e não somente de fontes com subsídio e redução na TUSD. Em janeiro de 2024 poderemos vivenciar a abertura para consumidores com menor potencia contratada, e quem sabe já a baixa tensão estará autorizada a usufruir dos benefícios do mercado livre. Estamos atrasados nesta abertura em pelo menos 18 anos. A Lei 9074/95 já previa uma revisão da abertura do mercado em 2002, nunca implementada.

O tema separação de lastro e energia evoluiu bastante no seu entendimento pelos agentes e instituições do setor, com grande mérito da CP 33/2017 que introduziu de forma conceitual este assunto, e motivou ampla discussão no setor desde então. O atual GT Modernização implementado pelo MME manteve o tema como prioridade, e a CP 83/2019 também o abordou de forma objetiva, o que tem contribuído para a continuidade dos debates e a sedimentação dos conceitos entre os agentes e instituições.

A separação de lastro e energia, no nosso entendimento, talvez seja a peça central que, uma vez implementada, será a responsável pela “virada da chave” do modelo atual para o novo. Por quais motivos?  Porque esta evolução altera a forma de expandir e suprir o sistema, que é um tema delicado e que requer máxima segurança e certeza em sua implementação. A partir daí o caminho estará aberto para novas alterações e evolução nas regras vigentes.

A separação de lastro e energia permitirá a adequação do suprimento requerido com confiabilidade e o separará das estratégias e ações comerciais dos agentes, permitindo a expansão com segurança de suprimento e a participação do mercado livre nesta expansão, o que altera o modelo hoje vigente, que impõe a participação apenas do mercado regulado nos leilões de expansão, através da exclusividade de participação das distribuidoras nestes certames.

Este modelo, iniciado em 1998 e evoluído e aperfeiçoado em 2004, foi praticado com êxito durante este período, mas apresenta sinais de esgotamento, causado pela maior participação das energias renováveis, pelo avanço da tecnologia, em especial a viabilização breve do armazenamento de energia em larga escala, pela maior participação da resposta da demanda e empoderamento do consumidor, pela geração distribuída em expansão, pela implementação dos preços horários, além do aumento contínuo da migração de consumidores cativos para o mercado livre.

Mesmo antes desta alteração na forma de contratação da expansão, o mercado já está dando suas respostas, pois observamos o mercado livre participando com graduação crescente em novos projetos, sobretudo em contratação de usinas eólicas e com perspectivas promissoras e viáveis de contratação de usinas solares.

Portanto, quanto antes for implementada esta importante medida de separação entre lastro e energia, melhor será para o setor e para os agentes, trazendo o futuro para as regras de contratação de potencia e energia, e diminuindo os riscos das distribuidoras que suportam a expansão e apresentam sobras permanentes em seus balanços energéticos, onerando as tarifas dos consumidores cativos remanescentes em sua base de consumidores.

A assimetria de tratamento a agentes geradores no mercado regulado e livre tem levado a distorções de preços ofertados nos leilões regulados e volumes ofertados decrescentes, onde geradores buscam assegurar sua conexão ao sistema elétrico para capacidades maiores que as ofertadas nos leilões, pois possuem prioridade de acesso em relação àqueles projetos exclusivamente projetados para o mercado livre.

Ou seja, é urgente que medidas sejam tomadas pelo MME e apoiadas pelas demais instituições, de forma a acelerar a separação entre lastro e energia no setor, para equilibras e garantir a adequabilidade da expansão da oferta, evitar sobretarifação e repasse de custos para os consumidores finais cativos, e permitir regras claras e equânimes para todos os agentes, independentemente do ambiente que atuem ou comercializem a energia produzida.

Os chamados contratos legados, conforme são chamados os atuais contratos celebrados pelas distribuidoras em leilões regulados, podem ser destinados ao Comercializador Regulado de Energia a ser implementado, mas já em discussão avançada nas Consultas Públicas do MME.

Segundo a consultoria Thymos, o volume total destes contratos legados já celebrados em leilões anteriores deverá decair de cerca de 54 GW em 2023 para 35 GW em 2028, e os preços destes contratos remanescentes próximos a R$ 170/MWh, ou seja, competitivos em relação aos preços atuais observados no mercado livre.

Preocupa a continuidade dos leilões regulados já programados para 2020, incluindo além dos obrigatórios leilões A-4 e A-6 para energia nova, os leilões A-4 e A-5 de substituição de termelétricas com custos variáveis elevados, que resultarão em maior contratação de longo prazo pelas distribuidoras, ampliando a complexidade da destinação dos contratos legados pelo aumento do volume, o que deverá tornar mais demorada a transição.

Neste contexto, a pergunta que não deve deixar de ser feita é: Porque não iniciar já em 2020 a separação da contratação de lastro e energia, evitando-se assim a continuidade do modelo anterior e a interrupção do circulo vicioso de aumento de contratação das distribuidoras no longo prazo? Em 2020 será atingido o marco de 3 anos de discussões deste conceito, sem contar os conceitos similares discutidos ao longo do projeto RE-SEB. Nosso entendimento é que o assunto está maduro o suficiente para que seja implementada a transição com os contratos legados e permitir a realização de leilões com a separação do lastro e energia em 2020.

Certamente esta medida acelerará a transição do modelo e dará o sinal definitivo de mudança regulatória tão almejada pelo setor elétrico brasileiro.

Não são necessárias alterações significativas no formato dos atuais leilões regulados para se implementar a separação de lastro e energia nos próximos certames. Pode ser utilizado o conceito de “missing money” para a precificação das fontes para o lastro de capacidade. Uma teoria válida e aceita tecnicamente, e que pode se adaptar facilmente ao processo de definição de preços dos leilões hoje vigente.

O conceito de lastro de produção é aderente ao conceito da garantia física hoje largamente conhecida. Ambos num primeiro momento seriam contratados centralizadamente.

A produção de eletricidade é a commodity a ser negociada, e é perfeitamente assimilada pelos agentes que atuam no segmento de comercialização de energia.

A questão da financiabilidade dos novos projetos, um dos fatores de maior preocupação na transição para o novo modelo, recebeu uma importante contribuição do BNDES com a possibilidade de concessão de financiamentos considerando PLDs de suporte em R$ 130/MWh e com rolagem de contratos no mercado livre a cada 4 anos. Outras instituições financeiras já apresentam discussões e soluções similares para a financiabilidade.

A separação lastro e energia, após o amadurecimento e sedimentação dos conceitos ocorridos desde a CP 33, não é complexa o suficiente que impeça a sua implementação com celeridade, e nem é tão simples que permita uma implementação com velocidade maior que a desejável.

No entanto, com toda a expertise já existente, as consultas públicas e suas contribuições já realizadas, nos levam a segurança de que é possível iniciar este importante passo na direção de alteração definitiva do modelo atual sem comprometer os resultados da expansão. Ao contrário, irá ao encontro dos anseios dos agentes e dos investidores, que querem a modernização das regras e sua adaptação aos avanços tecnológicos, e à expansão irreversível do mercado livre no Brasil.

É possível no estágio atual já adotar esta evolução para a separação de lastro e energia, sendo que evoluções e aperfeiçoamentos sempre serão realizadas e incorporadas no plano de implantação do modelo, assim como é feito regularmente com todas as normas e regras vigentes.

Importante lembrar que o preço horário e a utilização do modelo DESSEM estavam previstos para serem implementados no ano 2000, e somente estão sendo realizados exatos 20 anos depois. O setor elétrico historicamente discute com capacidade e competência a sua regulação e suas metodologias, mas infelizmente nem sempre implanta a riqueza dos conceitos e da capacidade criativa de seus agentes e profissionais. Não devemos perseguir sempre o ótimo, sendo que o bom está ao nosso alcance já.

O MME tem demonstrado sua disposição de agir com celeridade e implementação prática das medidas necessárias para a evolução do modelo.