O que se viu como regra, foi a ausência de medidas e vontade política de se direcionar os principais temas que poderiam modernizar e adequar a realidade do setor elétrico ao século XXI.
Final de ano é sempre tempo de olhar para traz, e repassar os principais acontecimentos do ano que se finda.
Mais uma vez, a fotografia que nos é apresentada não deixa margem para qualquer otimismo.
O ano se iniciou com animadoras perspectivas de que fosse enviado ao Congresso o tão aguardado e nunca mostrado Projeto de Lei ou Medida Provisória, com propostas para discussão com o Legislativo e a sociedade, as novas regras de governança, que estariam adequadas à realidade tecnológica e operativa dos agentes e das instituições que gerem o setor elétrico brasileiro.
Pois bem o ano termina e, após muitas promessas e adiamentos de datas e textos, mais uma vez teremos que iniciar um novo ciclo com uma defasagem e obsoletismo gritantes no modelo de gestão do setor.
Propostas e estudos das associações e dos agentes sempre existiram, muito bem elaboradas e suportadas por consultorias com renome e competências reconhecidas internacionalmente.
No entanto, o que se viu como regra, foi a ausência de medidas e vontade política de se direcionar os principais temas que poderiam modernizar e adequar a realidade do setor elétrico ao século XXI. Lembro que estamos parados em 2004, praticamente final do século XX nas regras e governança do setor.
Sem ser exaustivo, mas para citar algumas proposições que poderiam ter sido feitas pelo Executivo e que, se realmente tivessem sido concretizadas, certamente estaríamos hoje falando em visão otimista e muito esperançosos com o futuro do setor, com uma grande luz sendo avistada ao m do túnel. Não foi isso que aconteceu e ficamos esperando:
(i) Abertura de mercado para a Baixa Tensão com cronograma pré-estabelecido. Onde está o cronograma para abertura até 2030 em um processo gradual? Dá para abrir o mercado antes desta data, mas sem cronograma, a experiencia mostra que nada é implementado;
(ii) Direcionamento da solução para os contratos legados das distribuidoras: com a descontratação de termelétricas prevista para os próximos anos, possibilidade de maior exibilidade para as distribuidoras gerirem o portfólio de compra de energia, a ausência de leilões de energia nos últimos anos por falta de demanda, e outras medidas a serem discutidas com base em estudos e cenários, indicam que é possível fazer a transição para um mercado aberto, sem onerar os consumidores cativos remanescentes no portfólio das distribuidoras;
(iii) Novo papel das distribuidoras num mercado aberto e competitivo: tivemos a regulamentação da prorrogação das concessões pelo Decreto nº 12.068/2024, que estabeleceu regras e diretrizes para este processo de prorrogação, mas não direcionou ainda adequadamente a transformação do papel das distribuidoras para uma utility provedora de serviços de rede, em contínua transformação tecnológica e com crescente diversidade de fontes conectadas à rede de distribuição;
(iv) O leilão de reserva de capacidade não ocorreu. Nova promessa de realização em 2025, enquanto a EPE e o ONS se desdobram para equacionar as deficiências já existentes no atendimento da demanda, seja no âmbito do planejamento decenal com a indicação dos déficits de potência previstos, como também no âmbito da operação em tempo real do sistema, agravado com o natural desligamento total da fonte solar ao final do dia.
Segundo a ANEEL e a ABSOLAR, a fonte solar já atingiu 49 GW em capacidade instalada no país, impondo o desafio ao ONS em ter de atender uma rampa diária de carga, que em alguns dias já supera 30 GW;
(v) AANEEL, considerada a Agência reguladora mais eficiente e que regula um setor estratégico para o crescimento econômico do país, se enfraquece gradualmente com número de colaboradores deficiente para o tamanho de seus desafios num setor que atingiu 16.000 agentes participantes na CCEE, e um mercado regulado com cerca de 88 milhões de consumidores. Some-se a este quadro os desentendimentos públicos entre diretores, confrontos públicos emanados pelo MME com a Agência (vide caso mais recente da venda da Amazonas Energia), interferências na ANEEL pelo Legislativo, na maioria das vezes com decisões sem qualquer avaliação prévia do impacto adicional de custos nas tarifas dos consumidores, sem considerar os critérios de planejamento e operação otimizadas reconhecidos internacionalmente
pela sua excelência, ao atenderem prioritariamente interesses setoriais em detrimento dos consumidores de energia;
(vi) A CDE calculada pela ANEEL para 2025 vai atingir estratosféricos R 40,6 bilhões. Vale lembrar que há 10 anos, no ano de 2015, a CDE total foi fixada em cerca de R$ 22 bilhões. É um crescimento descontrolado e exponencial nos últimos anos, o que faz jus ao seu apelido “saco sem fundo do setor”, onde tudo cabe e o consumidor paga.
(vii) E vamos continuar discutindo e convivendo com as famosas emendas “jabutis” no conforme estudos da Frente Nacional dos Consumidores de Energia.
Há muitos outros fatos de alta relevância que por omissão ou desinteresse político, não foram enfrentados neste ano, e que certamente proporcionariam um avanço significativo nas regras e governança do setor elétrico brasileiro. O espaço deste artigo não permite se alongar em toda elas, mas quem milita no setor conhece profundamente as lacunas existentes.
Houve alguns fatos positivos, por iniciativa dos agentes do setor, dentre os quais podemos destacar:
(i) o debate sobre modelos de formação de preços no Brasil;
(ii) o estabelecimento das regras de monitoramento prudencial e segurança do mercado ambos com participação proativa da CCEE;
(iii) o crescimento do mercado livre de energia com o acréscimo de 21.000 novas migrações contabilizadas pela CCEE, que informou que com a onda migratória de 2024, o mercado livre registra ao todo 58.875 unidades consumidoras até outubro, sendo que 18.344 estão sob representação dos comercializadores varejistas; e
(iv) menção honrosa à ANEEL, que apesar das limitações e problemas citados anteriormente, vem cumprindo seu papel de regulador de forma positiva, e com cumprimento de sua missão de regular, fiscalizar e proporcionar a modicidade tarifária.
Neste contexto, a questão que se impõe é: ao nal de 2025 como será o balanço do ano?
Se for pessimista como o de 2024, certamente o setor elétrico brasileiro seguirá a passos largos para uma crise sem precedentes, o que forçará, inevitavelmente, uma reestruturação profunda, com altos custos e riscos, como forma de resgatar a boa governança perdida já há alguns anos.
Esperamos todos que o bom senso prevaleça, e não precisemos seguir este caminho doloroso para todos os agentes, consumidores e instituições do setor.
Jose Antonio Sorge é sócio administrador da comercializadora ÁGORA ENERGIA.